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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sítio arqueológico traz informações sobre os primeiros moradores da América

Segundo estudo publicado na Science, esses povos eram menos nômades do que se imaginava, podendo construir casas onde permaneciam durante todo o verão.

Por Thais de Luna Publicado no Correio Braziliense em 25/02/2011 07:00

Mais uma lacuna sobre o modo de vida dos primeiros habitantes da América do Norte foi preenchida. Já se sabia que os paleoíndios — povo que, segundo a teoria mais aceita, chegou à parte norte do continente há cerca de 13 mil anos, pela Ponte Terrestre de Bering — montavam acampamentos esporádicos para caça, agricultura e outros trabalhos. Agora, a descoberta de uma casa de restos mortais de uma criança na fossa de uma casa de 11,5 mil anos traz novas informações sobre os hábitos dessa população. Segundo os autores do achado, os antigos americanos eram menos nômades do que se pensava, podendo permanecer por até três meses no mesmo local. Além disso, o estudo cresce em importância pelo fato de o esqueleto ser o mais antigo de um ser humano já encontrado na América do Norte
Um grupo de arqueólogos da Universidade do Alasca Fairbanks encontrou o esqueleto cremado em uma “casa de temporada” no sítio arqueológico de Upper Sun River, no Distrito de Yukon-Koyukuk. “Esse local é realmente espetacular em todos os sentidos da palavra”, afirmou Ben Potter, líder da pesquisa, publicada hoje na revista científica Science. “A presença de artefatos e de alimentos na casa, entre outros aspectos, nos fornecem dados sobre o sistema de acomodação dessas sociedades sobre o qual não tínhamos praticamente nenhum registro”, explicou Potter em uma teleconferência de imprensa da qual o Correio participou.
Antes dessa descoberta, sabíamos que as pessoas caçavam animais de grande porte como bisões ou alces com armas sofisticadas, mas a maioria dos locais que tínhamos para estudar eram acampamentos de caça, que constituíam a maior parte das evidências das habitações antigas da América do Norte”, ressaltou o pesquisador. Essa nova casa, no entanto, parece ter sido uma moradia usada durante todo o verão. “Seus habitantes, que incluíam mulheres e crianças, colhiam peixes, aves e pequenos mamíferos nas proximidades.” Para os pesquisadores, essa diferença demonstra a versatilidade da população, com diferentes membros cuidando de tarefas distintas.

 Moradia
Arqueólogos escavam a cova funerária
A casa de Upper Sun River começou a ser analisada em 2007, mas a pesquisa só apresentou resultados conclusivos há cerca de seis meses. Durante as escavações, o primeiro item encontrado foi a fossa. “Tudo o que sabíamos é que ela continha restos humanos. Foi a partir dela que achamos a casa, mais parecida com as moradias dos paleoíndios da Rússia do que com a dos outros paleoíndios americanos”, relatou Potter. Ele estima que, com as escavações feitas até agora, apenas metade da residência foi revelada. Os planos são de continuar os estudos.
“Antes de encontrar essa casa, não sabíamos o nível de mobilidade dessa população”, afirmou Potter. “Se eles vivessem apenas em tendas, que são estruturas muito efêmeras, perderíamos registros importantes sobre os paleoíndios”, admitiu. Por estar localizada perto do rio, a casa confirma que o comportamento do grupo era semelhante ao dos paleoíndios da Sibéria. O pesquisador ressaltou ainda que, por servir de abrigo apenas durante uma estação do ano, não seria possível dizer que no local havia uma vila, mesmo que sejam encontradas outras construções semelhantes na região.
As ferramentas de pedra presentes no sítio arqueológico também mostram a ligação desse povo americano com seus contemporâneos siberianos. As pequenas peças se encaixam em uma categoria que os pesquisadores classificam como microlâminas, pequenos artefatos de pedra lascada finos e pontudos provavelmente usados como facas. A população nativa mais conhecida na América do Norte, chamada Clóvis, que teria surgido há 11 mil anos, não usava artefatos parecidos.
Já os restos de animais, que indicam como essa população se alimentava, foram encontrados na mesma fossa onde estava o esqueleto da criança. Havia ali ossos de salmão, esquilos, lagópodes (um tipo de ave) e outros pequenos animais. De acordo com os cientistas, essa é a primeira vez que são encontrados indícios de que esse grupo se alimentava de peixes. A fossa, com formato oval e cerca de 45 cm de profundidade, era um aquecedor por fogo localizado no centro da casa. Ela servia, entre outras coisas, para cozinhar e despejar resíduos.

Corpo
Os arqueólogos da Universidade do Alasca Fairbanks concluíram que a criança foi cremada dentro da casa. “Restaram apenas 20% do corpo, por isso é difícil dizer o sexo. Mas estamos tentando fazer um teste de DNA para identificar se era menino ou menina”, esclareceu o arqueólogo Joel Irish, que também participou da pesquisa. Ele destacou que, pela formação da arcada dentária, o paleoíndio — que recebeu da comunidade nativa, a tribo de Healy Lake, o nome de Xaasaa Cheege Ts'eniin (ou Criança da Foz do Upper Sun River) — tinha cerca de 3 anos quando morreu e provavelmente estava em fase de amamentação.
Fragmentos ósseos da criança
Não foi possível também definir a causa da morte. Os ossos não apresentam sinais de ferimentos ou doenças. “Mas sabemos que não houve canibalismo, como as pessoas podem vir a questionar. Se tivesse ocorrido, haveria partes do corpo desaparecidas ou separadas. Os restos mortais ainda estavam em sua posição anatômica, ou seja, deitada de barriga para cima e com as mãos juntas. Parecia que nada do esqueleto havia sido retirado, apenas queimado”, disse Irish.
Potter comentou que é difícil avaliar se houve um ritual de enterro, principalmente por não haver ornamentos sepultados com o cadáver. Embora o grupo tenha encontrado próximo à fossa duas peças de ocre vermelho, que fazem parte de funerais ao redor do mundo, os diversos usos dos objetos não deixam clara sua função. “Essa falta de objetos simbólicos é típica de uma sociedade de caçadores-colhedores móveis como a do Upper Sun River”, garantiu o líder do estudo.
Ele destacou, no entanto, que essa falta de atividade ritual não significa que a morte tenha sido tratada com indiferença. “O fato de a criança ter sido cremada dentro de casa mostra um cuidado especial com ela. E a casa provavelmente foi abandonada após a cremação, o que indica que o acontecimento afetou a vida dos que moravam no local”, afirmou.

Ligação
A ponte, também conhecida como Beríngia, era uma região de terra firme com cerca de 1,6 mil quilômetros de extensão e que unia a Sibéria ao Alasca, durante a última era glacial, há aproximadamente 20 mil anos. Essa região foi submersa e deu lugar ao Estreito de Bering, canal de 85km de largura que liga o Mar Chukchi, que faz parte do Oceano Ártico, ao Mar de Bering, que integra o Oceano Pacífico.

Pinturas
O ocre vermelho é um tipo de argila usada desde o Período Paleolítico (de 2,5 milhões a.C a 10 mil a.C.) até o Neolítico (10 mil a.C a 41 a.C.) para fazer pigmentos usados em inscrições em pedras e pinturas de estátuas. Essa argila é rica em um mineral chamado hematita, que dá a cor marrom-avermelhada ao material.


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