Modelo 3D - Cálice funerário Jê

terça-feira, 30 de junho de 2015

SOS Paleoantropologia no Brasil!!!

O MAC publica aqui uma carta assinada pelo Prof. Walter Neves, da Universidade de São Paulo. Cada pessoa que se importa com o patrimônio cultural arqueológico de nossa região, que enxerga no museu uma proposta de futuro e cidadania, deveria separar um pouco de seu tempo e ler essa carta com muita atenção.

Citando apenas um fato, dentre tantos outros não menos importantes, o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP dedicou o tempo de sua equipe e seu espaço de trabalho, em um estudo voluntário dos restos ósseos de um sepultamento pré-histórico, que fora escavado em um abrigo sob rocha, no Morro da Menina, zona rural do Município de Pains - MG. Posteriormente, o mesmo laboratório custeou uma datação radiocarbônica do esqueleto em um laboratório dos Estados Unidos. A datação foi feita a partir de um pequeno fragmento do osso do braço do indivíduo. Ela revelou que essa pessoa morreu há 7.500 anos.

Este sepultamento arqueológico se configura como um dos mais antigos registros materiais de cremação da América do Sul. Recentemente, o Prof. Walter Neves, que coordena o Laboratório, autorizou o envio destes restos esqueletais para a sede do MAC, no município de Pains, retornando o material arqueológico para sua região de origem. A datação e curadoria deste sepultamento fez parte da amostra de pesquisa de uma dissertação de Mestrado e de uma tese de Doutorado, que foram defendidos no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, e que hoje podem ser consultados por qualquer pessoa, através da internet, no banco de teses e dissertações da USP.

"Estudos de evolução humana na USP estão ameaçados de extinção

O Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH), do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do IB-USP, foi por mim criado em 1994. Até hoje é o único laboratório da América do Sul a pesquisar a evolução humana sob uma perspectiva paleoantropológica, portanto, interdisciplinar por definição. Nossa pesquisa de maior destaque refere-se a Luzia, a primeira americana, que se tornou o ícone da pré-história brasileira. Hoje, o Laboratório desenvolve mais de dez projetos de pesquisa em parceria com diversas instituições do Brasil e do exterior. Recentemente, deu início a um projeto paleoantropológico na Jordânia, buscando nossos ancestrais que há 2 milhões de anos se expandiram da África para o Oriente e para a Europa. Essa é a primeira vez que cientistas brasileiros estabelecem um projeto paleoantropológico fora do país.
 
O LEEH-USP também se dedica freneticamente à divulgação do conhecimento da evolução humana para o público leigo, numa cruzada significativa contra a expansão do criacionismo no país. Entre essas atividades destaca-se a exposição “Do macaco ao homem”, recentemente implantada no Catavento Cultural, financiada pelo CNPq e pelo próprio Catavento, que consumiu recursos da ordem de um milhão de Reais. O LEEH também é o fiel depositário junto ao IPHAN e ao IBAMA de coleções arqueológicas e paleontológicas referentes aos primeiros americanos, destacando-se aí a maior coleção de esqueletos desses primeiros colonizadores do continente. Possui ainda uma infraestrutura física invejável, que não deixa nada a dever a instituições congêneres no exterior. Nos últimos dez anos só a FAPESP injetou cerca de dois milhões de dólares nessa infraestrutura e nos projetos que desenvolvemos.
  
Mas tudo isso está ameaçado de extinção. Com minha aposentadoria em futuro próximo não há a menor possibilidade de que seja contratado um docente para assumir o laboratório. Isto se deve a duas razões complementares: por um lado, a reitoria atual não está provendo novas vagas de docente e por outro, mesmo que ela o faça, nada garante que o Departamento de Genética e Biologia Evolutiva aloque essa vaga para a área da Antropologia Biológica. O departamento é majoritariamente constituído por geneticistas humanos, grupo de excelência, mas que têm enorme dificuldade de entender que nossa área envolve três campos do conhecimento: antropologia, arqueologia e biologia evolutiva. Esse é o preço real que se paga na USP por ser de fato interdisciplinar.

Se você se simpatiza com minha causa, por favor envie mensagens para:

Marco Antônio Zago / Reitor da Universidade de São Paulo

Vahan Agopyan / Vice-reitor da Universidade de São Paulo
 
Luis Neto / Chefe do Departamento de Genética e Biologia evolutiva
Só a pressão social poderá evitar que o Brasil perca esse patrimônio material e imaterial que foi construído a duras penas nos últimos 25 anos.
  
Ass.: Walter Neves, Professor Titular (waneves@ib.usp.br)"
  

quarta-feira, 24 de junho de 2015

MAC recebe a visita da Escola Aureliano Rodrigues Nunes, da cidade de Formiga.

O MAC recebeu no dia 11 de Junho a visita de 15 alunos do o 6º e 7º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Aureliano Rodrigues Nunes, sediada na cidade de Formiga - MG. A visita foi organizada pelos professores: Leonardo Oliveira, Natalia Vieira, Thaís, Pollyana, Eliana Rodrigues, Aline e Ana Paula.

No museu o grupo participou de uma visita monitorada à nossa exposição permanente, intitulada "Pré-histórica do Carste do Alto São Francisco: 12.000 anos a serem desvendados", e assistiu - na sala de audiovisual - a uma mostra fotográfica sobre o Parque Nacional da Serra da Capivara, um exemplo de turismo científico e cultural que está localizado no sudeste do Estado do Piauí.

Clique na imagem para ampliar. 1. Sala do material lítico (rochas): pontas de flecha e machados polidos 2. Sala da cerâmica indígena pré-histórica. 3 . Turma do 6º e 7º ano, em frente a sede do MAC, na cidade de Pains. 4 e 5. Sala do simbólico: registro fotográfico de painel rupestre do sítio arqueológico Posse Grande.
     

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Pichações lascivas da Pompéia Antiga

Tradução livre do
Dangerous Minds
 G. H.
 Apoio: Carla Pequini
   
A maior parte das pessoas associam Pompéia com a erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C., um evento que matou simultaneamente em torno de 16.000 pessoas e "congelou" todo seus arredores sob um monte de cinzas, deixando uma cidade inteira quase que perfeitamente preservada para a posteridade. Mas apesar de nós frequentemente projetarmos uma aura de seriedade nas personagens da Antiguidade, uma das características mais pitorescas é a preservação dos aspectos menos respeitáveis (e mais reconhecíveis) do ser humano.
 
Veja, por exemplo, o mosaico da ilustração, representando um sátiro e uma ninfa, uma peça de A Casa do Fauno, que no passado foi um lar opulento para os aristocratas de Pompéia. A onipresença de arte erótica como essa foi e é representativa da afeição romana pelos prazeres mundanos. Mas, se você preferir a sujeira do proletariado, pode estar interessado em um tipo de grafite, ou pichação, encontrado por toda a Pompéia, alguns deles listados abaixo, juntamente com o local em que se encontra o rabisco ofensivo. Lembrem-se crianças, frequentemente nossa história se resume a paredes de banheiros dos nossos antigos semelhantes. (E sim, existem escritos gentis, introspectivos e poéticos em meio às pichações, pelo menos você terá uma impressão unilateral dos pompeianos.)

Para identificar os locais em que foram feitas as pichações você pode consultar este mapa. Os nomes estão em inglês, porém é possível reconhecer a maior parte deles.

Clique na imagem para ampliar. Mapa da Pompéia Antiga, com os principais pontos de interesse.

(Próximo ao vestíbulo de entrada da Casa de Menander): Em Nuceria, procure por Novellia Primordial próximo ao Portão Romano no distrito das Prostitutas.

(Bar de Astylus e Pardalus): Amantes são como abelhas e nisso vivem uma vida melada.

(Loja de potes de cerâmica ou Bar de Nicanor; a direita da porta): Lesbianus, você defeca e você escreve, 'Olá, pessoal!'

(Casa de Pascius Hermes; à direita da porta): Para aquele que está defecando aqui. Guarda-te da maldição. Se você se voltar para esta maldição, que tenhais um Júpiter enfurecido como inimigo.

(Casa de Caecilius lucundus): a todo aquele que ama, deixei-o florescer. Deixe perecer aquele que não ama. Deixe-o perecer duas vezes aquele que proibir o amor.

(Lado externo ao portão Vesúvio): Cagão,  que tudo o mais dê certo e assim você possa deixar esse lugar.

(barracas dos gladiadores Julio-Claudianos; coluna no peristilo): Cedalus o gladiador trácio é o deleite de todas as garotas.

(Casa de Pompeu Axiochus VI e Julia Helena; a esquerda da porta): Hectite, gracinha, Mercator diz olá para você.

(viela dos Cientistas): Lagalus cruel, por que você não me ama?

(Loja de carpintaria de Potitus): Que quantidade de truques você usa para enganar, estalajadeiro. Você vende água mas bebe vinho puro.

(Átrio da Casa do Grande Bordel): Uma loira me ensinou a odiar as garotas de cabelos escuros. Eu as odiarei, se puder, mas não me importaria em amá-las. Venus Fisica Pompeiano escreveu isso.

(Átrio da Casa de Pinarius): Se mais ninguém acredita em Vênus, eles poderiam se deslumbrar com minha namorada.

(Bordel de Vênus; na Viela Sobreposta em frente ao Beco do Gallo): Que o Amor queime em alguma montanha solitária a todo aquele que deseje violentar minha namorada!

(beco do Pattiere, Casa dos Vibis, Mercadores): Atimetus me engravidou

(beco do Pattiere, Casa dos Vibis, Mercadores) Figulus ama Idaia

(Bar do Hedone (ou Colepius) na Rua dos Augustos; na esquina que leva a lupanária): Hedone diz, "Você pode beber aqui por apenas uma moeda. Você pode beber o melhor vinho por duas moedas. Você pode sorver Falerniano por quatro moedas."

(Casa de Caprasius Primus): Eu não quero vender meu marido, nem por todo o ouro do mundo.

(Viela d'Eumachia, pequeno aposento de um possível bordel): Vibius Restitutus dormiu aqui sozinho e sentiu a falta de sua querida Urbana.

(corredor no teatro): Methe, escrava de Cominia, de Atella, ama a Chrestus. Que Vênus Pompeiana seja querida a ambos e que os dois vivam sempre em harmonia.

(na basílica):  Nenhum jovem sujeito está completo até que ele tenha caído de amores.

(na basílica): Chie, eu espero que suas hemorróidas se esfreguem tanto a ponto de se machucarem como nunca!


(na basílica): Deixe que todos aqueles que amam venham ver. Eu quero quebrar as costelas de Vênus com porretes e aleijar os lombos da deusa. Se ela pode arrebentar com meu peito macio, então porque eu não posso esmagar sua cabeça com um porrete?


(na basílica): Phileros é um eunuco!


(na basílica): Se você está disponível, mas desinteressado, porque você joga fora nossa diversão e gentil esperança, sempre me dizendo para voltar amanhã. Então, force-me a morrer visto que me força a viver sem você. Teu presente será parar de me torturar. Certamente, a esperança dá de volta ao amante aquilo que uma vez lhe tirou.

(na basílica): Tome posse de sua jovem serva sempre que desejares; é o seu direito.


(na basílica): Ó paredes, vocês tem suportado tantos grafites tediosos que eu estou maravilhado de que não tenhais ainda colapsado em ruínas.


(na basílica): O Amor dita para mim enquanto escrevo e Cupido me mostra o caminho, mas que eu morra se deus desejasse que eu seguisse sem você.


(Estalagem dos tropeiros; a esquerda da porta): Nós encharcamos a cama, estalajadeiro. Confesso que fizemos mal. Se você quer saber porquê, não havia penico no quarto.

(Casa de Sabinus; peristilo): Se você sentir o fogo do amor, tropeiro, você se apressará para ver Vênus. Eu adoro um garoto charmoso; eu lhe peço, instigue as mulas; vamos lá. Leve-me para Pompéia, aonde o amor é doce. Você é meu...

(Casa dos Centenários; no átrio): Meu filho luxurioso, com quantas mulheres mais tiveste relações sexuais?

(Casa dos Centenários; na latrina próximo à porta frontal): "Secundus defecou aqui" três vezes em uma parede.

(Casa dos Centenários; no interior da casa): uma vez que você esteja morto, você é nada.

(triclínio de uma casa): Restitutus tem enganado muitas garotas.

Necrópole de Nuceria (em uma tumba): Saudações a Primigenia de Nuceria. Eu queria me tornar um anel de sinete por pouco mais de uma hora, então poderia te dar beijos despachados com tua assinatura.

Herculano (Bar/quiosque conjugado aos banhos marítimos): Dois amigos estiveram aqui. Em sua estada eles tiveram em tudo um serviço ruim  dispensado por um sujeito chamado Epaphroditus. Eles o jogaram longe e gastaram 105 sestércios e meio nas mais adoráveis cortesãs.

Herculano (no muro externo de uma casa): Apollinaris, o médico do imperador Titus, defecou bem aqui.
  
Clique na imagem para ampliar. Imagens das ruínas de Pompéia. 1. Panorâmica da Via de Mercúrio, tomada a partir das muralhas do norte em direção ao sul e ao Fórum. 2. a 5. Retratos de romanos em mármore: 2. Beleza da Corte de Flávio (80 a 90 d.C.); 3 e 4. Retrato de homem; 5. Retrato de mulher com véu, entre os séculos I e II d.C. 6. Pintura de natureza morta com ovos e tordos. A natureza morta era um tema de pintura muito popular à época da destruição de Pompéia. 7. Aparência de algumas pichações nas paredes de um edifício.
 
Fonte fotos 1 e 6:
CORNELL, T. & MATTHEWS, J. Roma: legado de um império. Trad.: Maria E. Vidigal. v. 1. Lisboa: Edições Del Prado, 1996. p. 86-7.
Fonte fotos 2 a 4:
Museu Capitolino, Roma. Fotos: Ilse Schneider-Lengyel, Phaidon Archive, Oxford.
CORNELL, T. & MATTHEWS, J. Roma: legado de um império. Trad.: Maria E. Vidigal. v. 2. Lisboa: Edições Del Prado, 1996. p. 180.
Foto 5:
Museo Archeologico di Firenze
Casa Fiat de Cultura. Roma: a vida dos imperadores. Catálogo da exposição. João Pessoa-PB: Fabula srl, 2011. p. 248. 

Texto original de Amber Frost
Via Professor Brian Harvey
  

sábado, 13 de junho de 2015

Meu pensamento viaja, meu coração é deserto...

Fernando Brant / Divulgação.


O Museu Arqueológico do Carste do Alto São Francisco vem prestar homenagens a Fernando Brant, falecido nesta sexta, dia 12. A obra de Brant, lapidada ao longo dos anos em que integrou o Clube da Esquina, contribuiu para transformar a Música Popular Brasileira em uma expressão artística sofisticada, reconhecida internacionalmente.

Ao lado de Nelson Ângelo, Márcio Borges e Milton Nascimento, conseguiu libertar suas composições das amarras parnasianas e românticas que caracterizavam as obras artísticas que abordaram o tema indígena no Brasil, fazendo-o de uma maneira que beirava o folclore. Ele conseguiu abordar esse assunto em suas canções de uma forma inteligente e sincera, expressando sensibilidade, delicadeza e, por vezes, todo seu estranhamento.

Já publicamos algumas considerações sobre certas composições do Clube da Esquina que abordam o tema indígena, incluindo obras de Fernando Brant. Veja e ouça: Canoa Canoa, canção que entoa loas aos Ava Canoeiro; Promessas do Sol que nos traz o olhar do indígena para conosco. E também Testamento, na qual um grande Chefe nos relata seu testemunho, recomendações e epitáfio.

O MAC aqui se despede de Fernando Brant com uma canção que, apesar de não abordar o tema do índio, fala um pouco da vida de todos nós. A canção 'O Homem da Sucursal' foi gravada pela primeira vez por Milton Nascimento em seu disco Milton, lançado em 1970. Aqui você pode ouvir a gravação do mesmo ano, feita pela banda Luíz Eça & Sagrada Família, com Luis Eça no piano, Nelson Angelo nas cordas e voz, Mauricio Maestro no baixo e voz, Nana Vasconcelos na percussão e voz, a cantora Joyce na voz, e Claudio Roditi no trumpete.
   
 
O Homem da Sucursal 
Milton Nascimento e Fernando Brant

Saio do trabalho, ei
Volto para casa, ei
Queria ver um filme de amor
Queria ver um filme de amor

E se eu morrer, véu
E se eu viver, réu
Me lembro de um tempo melhor
Me lembro de um tempo melhor

Sempre na surpresa de domingo
Se unem todos antes da tarde chegar
E aí eu vejo um sorriso claro
Alegria de um olhar sem lei
Vozes e cidades se escutando
E luzes e sombras não se quer pensar
No final

Saio do trabalho, ei
Volto para casa, ei
Queria ver um filme de amor
Queria ver um filme de amor
Me lembro de um tempo melhor
Me lembro de um tempo melhor
  

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Pinturas Rupestres do Sítio Arqueológico Lapa das Abelhas I

No dia 19 de maio um arqueólogo do MAC participou de uma visita ao sítio arqueológico Lapa das Abelhas I, na zona rural do município de Arcos - MG. Esta visita integrou o programa de atividades do museu para a 13ª Semana de Museus, cujo tema deste ano foi: "Museus para uma sociedade sustentável". O objetivo era observar o estado de preservação do sítio arqueológico e fazer um registro fotográfico para ser comparado com registro semelhante feito no ano de 2002.

O sítio arqueológico Lapa das Abelhas I está inserido em uma enorme formação de rocha calcária situada na margem direita do rio São Miguel, ela é conhecida regionalmente como Morro do Quenta Sol, e alcança 866 metros de altitude. É um dos mais importantes marcos de paisagem no território do Carste do Alto São Francisco, delimitando o limite norte desta região. O Morro, propriamente dito, ocupa uma área superior a 350 hectares, se considerado seu entorno imediato, especialmente a várzea do rio São Miguel, a área ultrapassa 500 ha.
 
O Morro do Quenta Sol é uma formação que se destaca no relevo regional por sua extensão e volume¹. Um maciço rochoso que ainda está preservado das atividades de mineração e de desmatamento. A cobertura vegetal de toda a área é marcada por uma densa e impressionante formação florestal. Totalmente diferente das formações secundárias que ocorrem em outras áreas de nossa região, no Quenta Sol há áreas dominadas por conjuntos de árvores imensas, que aparentam ter uma idade recuada.
  
Clique na imagem para ampliar. Localização do sítio arqueológico Lapa das Abelhas I, no Morro do Quenta Sol, margem direita do rio São Miguel, zona rural do município de Arcos - MG, extremidade norte do território do Carste do Alto São Francisco. Modificado do Google Earth e Wikimedia Foundation.
O Morro do Quenta Sol guarda um rico patrimônio espeleológico, composto por inúmeras cavidades naturais e feições típicas do carste: grutas, abrigos rochosos, lapiás, dolinas, corredores de diáclase, etc. Na área foram identificados diversos sítios arqueológicos, com um registro de ocupações de grupos indígenas caçadores coletores e de agricultores ceramistas. Nunca foram feitas datações radiocarbônicas nesta área, mas a julgar por medições feitas em outros locais do Carste regional, o patrimônio arqueológico ali presente pode corresponder a uma história indígena com 9 milênios de duração.
  
Neste conjunto destaca-se o sítio arqueológico Lapa das Abelhas I, uma pequena gruta cuja entrada se conforma em uma  zona abrigada com cerca de  100 m² de área (fotos 1 a 3). É nesta zona abrigada que se concentra o registro arqueológico, caracterizado por sedimento arqueológico, pinturas rupestres distribuídas em diferentes pontos do abrigo (fotos 4 a 7) e fragmentos de cerâmica arqueológica indígena (fotos 8 a 10). No interior da pequena gruta, em zonas escuras, também foram encontrados fragmentos de cerâmica, ainda que em menor quantidade que o abrigo.
  

Clique na imagem para ampliar. 1 e 2. Perspectivas do abrigo rochoso, à entrada da pequena gruta, que conforma o sítio arqueológico Lapa das Abelhas I. 2 e 3. Painéis rupestres localizados em porções do teto e paredes do abrigo rochoso. 4 e 6. Detalhes de alguns grafismos rupestres. 5. Painel com maior número de grafismos, denota-se representações de peixes e do que parecem ser fitomorfos, representações de plantas.

 
O conjunto de pinturas rupestres é o que mais chama a atenção neste sítio arqueológico. Em todo o Carste do Alto São Francisco, ao longo de 1.500 km², é conhecida apenas uma dezena de sítios arqueológicos com presença de arte rupestre indígena. O Morro do Quenta Sol conta com dois sítios arqueológicos deste tipo, o principal deles é o sítio Antônio Vitalino, e o outro é o Lapa das Abelhas I. Seu conjunto pictográfico conta com cerca de três dezenas de figurações pintadas, uma boa parte delas está degradada, devido à ação de agentes naturais. Este sítio foi visitado no ano de 2002, tanto à época quanto atualmente não foram identificadas ações de vandalismo no espaço do sítio, ou em seu entorno. A nosso ver, um agente benéfico para a preservação do local é a restrição de circulação de pessoas na área, por parte dos proprietários das fazendas em que o Morro do Quenta Sol está inserido.

Para ler sobre outro sítio arqueológico com pinturas rupestres no Morro do Quenta Sol, clique aqui.  

As pinturas rupestres, em sua maioria, foram executadas com tintas de cor vermelha (fotos 4 a 7). Há representações de animais quadrúpedes (foto 6), peixes [?] (foto 5) e geométricos, como pontos e bastonetes (fotos 5 e 7), e talvez fitomorfos (representações de plantas). Os temas e forma de tratamento dos grafismos rupestres evocam uma cultura arqueológica brasileira denominada Tradição Planalto, presente em outras regiões da Bacia do Rio São Francisco, como no Carste de Lagoa Santa e na Serra do Cabral. Esta tradição cultural arqueológica é vinculada a ocupações de grupos indígenas caçadores coletores do período Arcaico. Tais grupos indígenas teriam ocupado nossa região em um período que vai, no mínimo, de 8.000 a 4.000 anos atrás.
 
Clique na imagem para ampliar. 8 a 10. Fragmentos de cerâmica indígena que jazem na superfície do sítio arqueológico. No passado estes 'cacos' fizeram parte de grandes vasilhames.
 
A maior parte da superfície sob o abrigo rochoso é coberta por sedimento pulverulento, o restante é formado por porções aonde aflora a rocha nua ou aonde ocorrem blocos e matacões. Nas porções cobertas por sedimento jazem em superfície dezenas de fragmentos cerâmicos. A maior parte destes fragmentos tem uma espessura grossa, igual ou superior a um centímetro. Nas culturas cerâmicas Jê, a espessura dos fragmentos é um atributo diretamente relacionado ao tamanho de seus respectivos vasilhames originais. Sendo assim, via de regra, fragmentos de espessura fina integravam vasilhames pequenos, ao passo que fragmentos de espessura dilatada integravam vasilhames grandes. 

É curioso encontrar fragmentos de vasilhames tão grandes em um abrigo com dimensões modestas, como é o caso do sítio arqueológico Lapa das Abelhas I. Ainda que utilizados em diferentes momentos, individualmente, alguns desses vasilhames poderiam alimentar ou saciar a sede de dezenas de pessoas. Se dois ou mais foram utilizados sincronicamente, isto é, ao mesmo tempo, eles alimentaram números da ordem de centenas.

Clique na imagem para ampliar. Reconstituições de vasilhames cerâmicos feitas a partir de fragmentos coletados no alto curso do Rio São Miguel, zona rural do município de Pains - MG. Os fragmentos encontrados no sítio arqueológico Lapa das Abelhas I integravam vasilhames semelhantes, tanto em forma quanto em volume.

Nos arredores do sítio também foram encontrados fragmentos de vasilhames enormes. Fontes históricas que foram produzidas entre os séculos XVI e XIX d.C., por observadores europeus e brasileiros, que tiveram contato com grupos indígenas de língua Jê, nos atuais Estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo, nos dão conta que os festejos e cerimônias rituais que envolviam grande número de participantes eram marcados pela utilização de grandes vasilhas de cerâmica, para consumo e preparação de cerveja de milho. Evidentemente, isto é uma conjectura, visto que este sítio nunca foi escavado ou estudado, mas talvez estes locais com pinturas rupestres demarcassem locais com importância cerimonial, e ritual, não só para o grupos caçadores coletores, mas também para os agricultores ceramistas, que viveram em nossa região nos últimos dois milênios de nossa história. 
G. H.
1. Ver: EMBRAPA. Brasil visto do espaço. Para acessar clique aqui.
  
Para saber mais:

NEVES, Walter & PILÓ, Luís B. O Povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos. São Paulo: Globo, 2008. 333 p.
PROUS, André. O Brasil antes dos brasileiros: a pré-história de nosso pais. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. 102 p. Para acessar clique aqui.
KOOLE, Edward. Entre as tradições planálticas e meridionais... Tese de doutorado. São Paulo: MAE/USP. 416 p.
HENRIQUES, Gilmar. Arqueologia regional do Alto São Francisco: um estudo das tradições ceramistas Una e Sapucaí. Dissertação de Mestrado. São Paulo: MAE-USP, 2006. 82 p. Para baixar clique aqui.