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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Considerações científicas sobre mudanças no Código Florestal - II

Publicado no Brasilianas.org em 11/02/2011
 
A justificativa de que o atual Código Florestal Brasileiro (CF) prejudica o desenvolvimento do agronegócio no país foi descartada por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP).  
O trabalho, coordenado por Gerd Sparovek, especialista no uso e recuperação de áreas degradadas pela agropecuária, destaca, ainda, possíveis prejuízos caso o Projeto de Lei (PL) 1876/99, que propõe um código com regras mais brandas, seja aprovado na Câmara dos Deputados. A votação está prevista para março deste ano.  
O movimento favorável à reforma do CF estima que 90% dos produtores brasileiros transgridem de alguma forma a lei ambiental, o equivalente a 5 milhões de pessoas, pois os trabalhadores seriam incapazes de produzir respeitando as principais exigências da lei, que determina a fixação de reservas legais (RL) em todas as propriedades rurais do país e respeito às áreas de preservação permanente (APP). As principais medidas do PL 1876/99 são:
- As reservas legais em pequenas propriedades de até quatro módulos estão dispensadas da recomposição da RL. Ao mesmo tempo, não poderão desmatar as partes que estão preservadas;
- O PL prevê que nos próximos cinco anos seja proibido qualquer tipo de desmatamento. Durante esse período, União, estados e municípios deverão agilizar a regularização de todas as propriedades e realizar o levantamento de todas as florestas no país;
- A proposta também sugere que a área preservada e recuperada seja contabilizada nos cálculos da RL;
- Os cursos de água de até 5 metros de largura terão suas áreas de preservação permanente (APP) reduzidas de 30 para 15 metros.

Como funciona o CF
O atual CF determina que todas as propriedades agrícolas mantenham áreas de preservação permanente e reservas legais, reduzindo, portanto, os espaços para produção agrícola. As APP são essenciais para conter processos de erosão ao longo de rios e mananciais. São classificadas junto aos corpos hídricos em geral, nascentes e topos de morros e montanhas. Proprietários de áreas classificadas como APP não podem alterá-las.
As RL não fazem parte das áreas de preservação permanente, e tem como objetivo evitar que a biodiversidade local seja eliminada pelas atividades humanas. A porcentagem de reservas que devem ser mantidas – ou repostas em caso de total desmatamento – varia entre 20% e 80% - até 80% em áreas da Amazônia Legal e 20% em áreas fora da Amazônia Legal.
Segundo os especialistas da Esalq a Lei Ambiental é principal instrumento existente no país para proteger e restaurar a biodiversidade em áreas de agropecuária consolidada. Isso porque 87% da vegetação natural no Cerrado, por exemplo, está em área privada, nos Pampas (Rio Grande do Sul), 99%, na Mata Atlântica, 92%, e na Caatinga, 98%.
Os pesquisadores defendem, ainda, que a atividade agropecuária brasileira tem espaço suficiente para crescer respeitando a porção de áreas de preservação permanente e reservas legais sem, necessariamente, destruir a vegetação natural que ainda permanece em pé. Isso seria possível com o aumento da produtividade agropecuária.
No Brasil existem 180 milhões de cabeças ocupando 158 Mha (milhões de hectares), resultando numa lotação média de 1,14 cabeças por hectare. “Mantendo a pecuária não integrada com a agricultura e pensando apenas na adoção de poucos recursos tecnológicos, a lotação média poderia facilmente atingir 1,5 cabeças por hectare. Com esses números, 69 Mha de pastagens deixariam de ser necessárias para alcançar a mesma produção”, sendo que do total de terras ocupadas com pasto, 61 Mha são de elevada e média aptidão para lavouras. Atualmente, a produção agrícola do país ocupa 67 Mha.

Sobre a proposta de computar o total de APP preservada nos cálculos da RL
O atual CF propõe que a RL deficitária possa ser recompensada fora da propriedade agrícola, mas nas imediações da mesma microbacia hidrográfica, levando em consideração o princípio ecológico de realizar a compensação na mesma área de impacto das atividades humanas.
“Na prática, essa concepção gera restrições enormes para a aplicação do mecanismo. Numa região em que não há conformidade com a RL, quase todas as propriedades possuem passivos; se um proprietário desmatou demais, seus vizinhos devem ter feito o mesmo”, diz o estudo. Em resumo, não será possível encontrar áreas suficientes nas imediações dessas propriedades agrícolas suficientes para compensar a perda de reservas legais.
O substitutivo, PL 1876/99, tenta solucionar essa questão, entretanto inverte toda a lógica do princípio ecológico de compensação na mesma área ao estender a possibilidade de compensar a RL perdida para APP, e não apenas fora das propriedades, mas também longe delas.

Dispensa dos pequenos proprietários recuperarem RL  
O projeto de lei prevê que, além de não serem obrigados a recompor as reservas legais até atingir 20%, como o CF determina hoje para propriedades do bioma Mata Atlântica, por exemplo, os pequenos proprietários deverão manter o que ainda estiver em conservação. Mas os pesquisadores temem que essa medida apenas incentive o aumento de impactos negativos das atividades humanas sobre os recursos hídricos.
O último Censo Agropecuário, de 2006, aponta que 90% dos imóveis rurais têm menos de quatro módulos fiscais e ocupam 25% da área total de imóveis agrícolas do país. Com a aprovação dessa medida, as pequenas propriedades deixam de ter uma área fixa de RL, logo, isso irá dificultar a fiscalização e o controle sobre as reservas que realmente foram mantidas.

Sobre redução de APP
Por fim, se houver redução das áreas de preservação permanente ripária com 15 metros de largura em cada margem dos rios de até 5 metros de largura, quando o atual CF prevê a proteção de 30 metros lado a lado, o total de  APP ripária de todo o país poderá sofrer perda de 20%.
Segundo os autores do estudo, "a extensão de rios de pequena largura é maior do que de rios mais largos. Isso ocorre porque a rede de drenagem se ramifica nas cabeceiras”. Logo, a redução do total de APP tem potencial impacto ecológico negativo.
Os pesquisadores concordam que não é simples aplicar o CF como está, em vista do “passivo acumulado ao longo dos anos, que geram dúvidas quanto à capacidade econômica de restauração da vegetação natural”. A estimativa é que, para cumprir a legislação ambiental, os agricultores do país tenham que converter, hoje, 85 Mha de terras utilizadas ilegalmente para produção em florestas.
E reafirmam que para que o setor agropecuário alcance um desenvolvimento equilibrado com a conservação vegetal será preciso intensificar a pecuária de corte em curto prazo. “Essa intensificação depende mais da construção de uma nova visão empresarial e cultural por parte de produtores, frigoríficos e consumidores e de políticas de acesso a recursos e assistência técnica do que de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ou inovações tecnológicas”, enfatizam.
O Ministério do Meio Ambiente diz que está preparando um substitutivo à proposta PL 1876/99, prevista para ser votada em março, na Câmara dos Deputados.

Para acessar o relatório com os principais resultados dos pesquisadores da Esalq, clique aqui.
Acesse também:Considerações científicas sobre mudanças no CF – I’, matéria com os resultados preliminares dos pesquisadores da Esalq, publicada no site Brasilianas.org em julho de 2010.

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