Faltam arqueólogos para catalogar objetos antigos achados em obras do PAC
Enviado por Guilherme Floriani de Brasília - DF.
Quando se pensa em arqueólogo, a primeira imagem que vem à mente é o personagem eternizado por Harrisson Ford na série de filmes dirigidos por Steven Spielberg. Indiana Jones, se vivesse no Brasil de hoje, não estaria em busca de tesouros perdidos na África, mas, com certeza, seria contratado a peso de ouro e teria muito trabalho nos canteiros de obras que vêm se formando no interior do país. Ainda que atrasados, os projetos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), seja para a abertura de estradas e ferrovias, seja para a construção de hidrelétricas, estão esbarrando em sítios arqueológicos que impressionam. Para mapear as áreas e catalogar as milhares de peças encontradas, os raríssimos arqueólogos existentes no Brasil estão cobrando entre R$ 500 mil e R$ 700 mil.
A escassez desses profissionais começou a se desenhar no início dos anos 1990, quando o único curso de graduação, da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, fechou as portas. Para suprir o vácuo, o mercado está recrutando historiadores, geólogos e até biólogos com mestrado ou cursos de especialização em arqueologia. Mas não está sendo suficiente, tamanha a demanda. Resultado: algumas empresas que atuam na área de infraestrutura já estudam buscar arqueólogos no exterior para dar conta do trabalho que terão pela frente.
“O boom de obras de infraestrutura no Brasil criou uma demanda muito forte por arqueólogos, cada vez mais valorizados no mercado”, diz Renato Kipnis, sócio-diretor da Scientia Consultoria, escritório de arqueologia, que faz o resgate dos sítios arqueológicos descobertos durante a construção da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, em Rondônia. Como todos no mercado, a Scientia está sofrendo com a quase extinção de arqueólogos. O jeito está sendo treinar pessoas formadas em outras áreas e, muito provavelmente, terá de importar profissionais de Portugal.
A Scientia quadruplicou de tamanho nos últimos cinco anos e hoje emprega quase 200 especialistas. “Chegamos até a recusar alguns projetos por não encontrar pessoal capacitado no mercado”, revela Kipnis, que é formado em história e fez mestrado em arqueologia. O escritório optou pelos grandes empreendimentos. Além do resgate dos sítios da Usina Santo Antônio, fará todo o diagnóstico das bases de cerca de 10 mil torres das linhas de transmissão entre Porto Velho (RO) e Araraquara (SP), espalhadas por 2,5 mil quilômetros. A companhia também faz a prospecção da área que será alagada pela Usina de Belo Monte, no Pará, e que será a terceira maior do mundo, atrás da hidrelétrica chinesa Três Gargantas e de Itaipu.
“Estamos com um número grande de projetos e acabamos formando internamente boa parte do nosso quadro como forma de contornar essa carência”, revela Kipnis, que não sabe ainda onde buscará mais mão de obra quando iniciar os resgates em uma área tão grande quanto a de Belo Monte. A região de alagamento, em torno de 500 quilômetros quadrados, é bem maior do que a de Santo Antônio. Em Rondônia, existem 60 profissionais trabalhando em uma área de 314km2 desde 2008. Em Belo Monte, por enquanto, trabalham 15 pessoas na primeira etapa.
A reviravolta na profissão de arqueólogo começou em 2002, quando o Conama baixou a Portaria nº 230, tornando obrigatória a licença ambiental para as obras em geral. Uma das exigências para a obtenção da licença é a elaboração de um relatório ambiental e arqueológico sobre a região afetada para ser iniciada. Os sítios arqueológicos são protegidos pela Lei nº 3.924/61 como patrimônio da União e o artigo 216 da Constituição de 1988 ressalta a importância da preservação. Até 2002, no entanto, não se dava a devida importância a isso, lembram os especialistas.
Na avaliação deles, com o PAC em andamento — as obras do projetos serão prioridade para a presidente eleita, Dilma Rousseff — e os demais empreendimentos na área de infraestrutura que sairão do papel, placas e mais placas deverão se espalhar pelo Brasil com os dizeres: procuram-se arqueólogos.
Achados de mais de 7 mil anos
Comprovando a tese de que o Brasil está repleto de sítios arqueológicos, o Departamento de Infraestrutura Rodoviária (Dnit) não para de registrar descobertas. Ao asfaltar os 94 quilômetros da BR 429, em Rondônia, encontrou nada menos do que 20 sítios durante as prospecções em julho último. Na BR 135, que liga Minas Gerais, Bahia, Piauí, e Maranhão, o órgão identificou 78 sítios arqueológicos, que estão em fase de resgate.
A coordenadora-geral de Meio Ambiente do Dnit, Aline Freitas, lembra que esses são apenas alguns exemplos e alguns achados são bastante antigos, com mais de 7 mil anos, mas a maioria chega a ter entre 2 mil e 4 mil anos. “As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) têm impulsionado muito a demanda por levantamentos arqueológicos e, ao longo das descobertas, quando há duplicações, percebe-se que antigamente não se dava muita importância para isso”, afirma.
Ela cita o caso da duplicação da BR 101 em Santa Catarina, onde foram descobertos sambaquis (espécie de cemitério primitivo) e alguns foram destruídos durante a construção da via nos 1970. “Naquela época, não havia essa obrigatoriedade de documentação histórica. Hoje, é possível fazer o resgate sem interromper a obra, pois pula-se o trecho em questão e, depois, retoma-se quando o trabalho dos arqueólogos termina”, ressalta, rebatendo as críticas de que os achados têm atrasado o cronograma de execução de alguns projetos, inclusive, encarecendo as obras. Para ela, o custo já estava previsto, incluído na obtenção da licença ambiental, que gira entre 5% e 10% do total orçado.
“O Brasil está repleto de sítios arqueológicos e quanto mais obras de infraestrutura ocorrerem, mais áreas serão descobertas”, diz Paulo Zanettinni, dono do escritório de arqueologia com o mesmo nome. “Nunca se escavou tanto, nunca se divulgou tanto nas mais diversas plataformas como nesta década”, acrescenta. A Zanettinni Arqueologia é responsável pelo diagnóstico e pelo resgate em todo o traçado da ferrovia Transnordestina, que liga o Porto de Suape, no Recife, ao de Pecém, em Fortaleza.(RH)
Licenças recordes
O número de licenças emitidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para as explorações arqueológicas no país deverá superar a casa de mil neste ano. Em 2002, foram 232. Quando descobertos, os sítios arqueológicos precisam ser resgatados, classificados, catalogados e os objetos encontrados são enviados para um museu. Os projetos de contratação de diagnóstico e de resgate podem durar meses ou até anos e os gastos chegarem a milhões de reais.
Formação é restrita
O número restrito de arqueólogos no Brasil deve-se ao fato de existirem pouquíssimos cursos no país, afirma o secretário da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB), Luís Cláudio Symanski. As maiores instituições de ensino do país, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, não possuem uma cadeira nessa área, apenas pós-graduação ou especialização. “Existem hoje cerca de 400 a 500 profissionais qualificados no mercado e 353 são filiados à SAB”, informa o arqueólogo, acrescentando que há uma estimativa de que, incluindo técnicos e outros especialistas, esse número não chega a 2 mil.
Symanski cita algumas universidades federais que abriram cursos de graduação em arqueologia, como a PUC de Goiás e as universidades federais do Vale do São Francisco, do Piauí, de Sergipe, de Minas Gerais, de Pelotas (RS) e de Pernambuco. “Mas é pouco”, ressalta o arqueólogo, um dos poucos formados pela Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, que fechou a cadeira no início dos anos 1990. “Naquela época, não havia mercado no país, somente o acadêmico”, diz.
Apesar de o mercado falar em ganhos de até R$ 700 mil para um trabalho completa em um sítio arqueológico, Symanski garante que o salário de um profissional hoje no mercado gira em torno de R$ 8 mil no meio acadêmico. Os mais valorizados são os com mestrado e doutorado. Um técnico ou mesmo um recém-formado podem começar ganhando R$ 4 mil.
“O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) incrementou de forma expressiva a arqueologia no Brasil. Consequentemente, a valorização da profissão de arqueólogo só está começando”, afirma Rita de Cássia Miranda de Morais, técnica da Coordenação de Pesquisa e Licenciamento Arqueológico do Iphan.
Para ela, o grupo responsável pelas licenças hoje é composto por 45 pessoas e deverá dobrar nos próximos anos devido ao aumento das descobertas. “É importante destacar que o progresso dos processos de licenciamento ambiental tem revelado um grandioso patrimônio arqueológico em proporções até então desconhecidas. Basta citar que mais de 17 mil sítios arqueológicos já foram cadastrados no Iphan, a maioria deles é resultado dos processos de licenciamento ambiental”, diz. (RH)
Publicado no Correio Braziliense / Economia / Rosana Hessel em 12/12/2010 08:57h (clique aqui).