Segundo o climatologista Antônio Nobre, a floresta amazônica produz rios de vapor que impedem que o resto do Brasil se transforme em um deserto e levam ventos e umidade para a América do Sul.
A floresta amazônica bombeia todos os dias, pela transpiração das folhas, 20 trilhões de litros de água do solo para a atmosfera
Nos últimos 25 anos, Nobre dedicou seu tempo a entender as interações entre a floresta e a atmosfera e descobriu que, se continuarmos teimando em não ver como a Amazônia realmente funciona, o futuro será inóspito. Em entrevista ao site de VEJA, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (clique aqui) explica o que são esses mecanismos vaporosos e sua importância para a compreensão da natureza.
O climatologista Antonio Donato Nobre durante sua palestra no TEDxAmazônia (Bruno Fernandes/Divulgação)
A Amazônia não deveria mais ser encarada como pulmão do mundo?Por muito tempo, a Amazônia foi vista apenas como celeiro da biodiversidade e pulmão da Terra. Acreditávamos nisso porque achávamos que esse seria seu principal papel para o clima, mas não sabíamos como ela realmente funcionava. Fazíamos a analogia da floresta com o pulmão por sua importância na troca de gases com a atmosfera, principalmente o oxigênio e o gás carbônico. Mas essa função é apenas uma. A Amazônia também é um coração que faz circular ares e umidade e é responsável por muito do equilíbrio climático do planeta. É possível vê-la pulsar.
Como assim?Em seus 5.5 milhões de quilômetros quadrados, a floresta amazônica bombeia todos os dias, pela transpiração das folhas, 20 trilhões de litros de água do solo para a atmosfera. É mais do que o rio Amazonas despeja diariamente no oceano, 17 trilhões de litros. Só a energia solar consumida nessa evaporação é igual à produção de 50 mil Itaipus! As imagens de satélite (clique aqui) mostram esse vapor sobre a floresta como fluxos nas artérias do ciclo da água, em contínua pulsação. Esses deslocamentos atmosféricos de umidade, invisíveis para quem está aqui embaixo, são verdadeiros rios voadores.
E por que é importante saber que eles existem?
Porque quando eles pararem de funcionar não poderemos consertá-los. Não é porque não os enxergamos, nem tomamos banho nesses rios, que eles não existem. São tão reais que regulam o clima em grande parte da América do Sul. É por causa deles que o Centro-oeste, Sul e Sudeste do Brasil não são desertos, ao contrário de outras regiões no globo, situadas em torno dos trópicos de Câncer e Capricórnio.
Ou seja, são eles - e não a água do rio Amazonas - os responsáveis pelas chuvas na floresta?
Sim, e eles também geram importantes correntes de vento, por meio de um mecanismo revolucionário, chamado bomba biótica. Conforme o vapor d’água sobe para a atmosfera, ele encontra camadas de ar frio e se condensa em gotículas, formando nuvens que, em seguida, se precipitam em chuvas. Mas, quando condensa, o vapor deixa um ‘vazio’ no ar e é aí que a bomba começa a funcionar. Nesse momento a pressão cai lá em cima e ‘puxa’ o ar das regiões inferiores. A evaporação d’água nas matas é maior que nos oceanos. Daí vêm os ventos que importam o ar úmido do oceano para o interior do continente.
Isso resolveria o paradoxo das chuvas recorrentes no interior da Amazônia, que contrariam o modelo de que, quanto mais próximo ao litoral, mais chove?Resolve este e muitos outros. O conhecimento anterior não explica direito as duas secas fortes que tivemos na Amazônia nos últimos cinco anos. A bomba biótica é uma descoberta fundamental para ajudar a entender as razões físicas do que está acontecendo com o clima. Um artigo nosso com os fundamentos dessa descoberta está em análise na revista Atmospheric Chemistry and Physics Discussions (clique aqui). Entre muitas outras funções, as florestas funcionam como um ar condicionado poderoso para o mundo.
Se a devastação continuar no ritmo atual o que pode acontecer?A savanização da Amazônia (clique aqui, aqui e aqui) parece ser uma realidade, especialmente nas áreas mais desmatadas. Mas eu creio que sem as florestas, boa parte do Brasil vai virar mesmo é um deserto. Vivemos em um microcosmos terrestre desconhecido, em um planeta que não compreendemos, mas que é construído e operado por meio de sistemas sofisticadíssimos. Precisamos prestar atenção nessa tecnologia natural e conservá-la. Para o nosso próprio bem.
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