Modo típico de falar dos mineiros é objeto de pesquisa
Paulo Henrique Silva
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Divulgação/Arquivo Pessoal |
Sotaque celebrado em prosa e verso, o “mineirês” pode ter origem nas línguas africanas, após Minas Gerais receber um dos maiores contingentes de população negra escrava nos séculos XVIII e XIX. É o que aponta pesquisa de
Patrícia Cunha Lacerda, pós-doutorada em linguística pela
UFMG e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (
UFJF).
“
O componente escravo foi importante na construção do dialeto mineiro. Apesar de todo o preconceito, não podemos apagar esses relatos históricos”, afirma Patrícia, que destaca a predominância africana em duas das três regiões “linguísticas” categorizadas pelo professor
Mário Zágari no “
Atlas Linguístico de Minas Gerais”.
Diferentemente do falar “paulista”, detectado no sul e no Triângulo e originário principalmente dos bandeirantes, os falares “mineiro” (Zona da Mata e Campo das Vertentes) e “baiano” (região norte) teriam maior influência dos milhares de negros traficados para o Estado, especialmente durante o auge da produção aurífera.
Em sua pesquisa, Patrícia se deteve no falar “mineiro”, reconhecendo em documentos de época (processos criminais, em sua maioria) os traços característicos da oralidade dos povos africanos, como a monotação do ditongo – dizer “oro” no lugar de “ouro” ou “cadera” ao invés de “cadeira”.
Por consequência do processo tardio de escolarização (a primeira escola de Juiz de Fora data de 1860), os escravos aprenderam a língua de forma irregular, impregnando traços da própria linguagem. “Como eram maioria, cerca de 60% da população, o português absorveu esses traços”.
Entre as principais características do falar mineiro estão ainda o alteamento da vogal pretônica (“mínino”) e a ditongação diante de sibilante (“treis”).
A pesquisa, que ganhará forma de livro, passa por uma continuação, analisando a parte morfossintática, detendo-se na estrutura da língua e suas particularidades. Patrícia destaca que, apesar de uma predominância africana, não se pode relevar a influência da imigração, como a italiana e a alemã, que se tornou importante mão-de-obra a partir do final do século XIX. O tema também deve merecer um livro em breve.
Menino é minino na capital
A participação africana na construção da fala não é ponto de consenso entre linguistas. “Afirmar que a principal influência veio da África é inadequado, porque implica uma simplificação grosseira: aceitar que todos os africanos falavam a mesma língua ou que não havia diferença entre as várias línguas faladas por africanos” – observa Jânia Ramos, professora da UFMG que prepara livro sobre o linguajar da capital mineira (“O Mineirês e a Fala dos Belo-horizontinos”).
Em sua pesquisa, Patrícia Lacerda defende que, “apesar da existência de vários povos com suas particularidades (...), eles mantinham afinidades linguísticas e culturais, podendo ser designados de forma comum no macro grupo dos bantos”.
Banto seria uma designação genérica, criada a partir de afinidades linguísticas e culturais.
Apesar dessa diferença de visões, Jânia e Patrícia seguem a mesmo divisão proposta por Mário Zágari. Em sua pesquisa, Jânia tenta responder a algumas questões, como o fato de os belo-horizontinos, quando entrevistados, reconhecerem o padrão mineiro como muito próximo do brasileiro, enquanto os não belo-horizontinos o percebem como um linguajar distante do padrão.
“Podemos até agora afirmar que os falantes nascidos na capital não usam o r caipira. Falam minino em lugar de menino. Recorrem, preferencialmente, ao tempo presente, em vez do imperativo – faz isso para mim e não faça isso para mim. Dizem nó e Nossa como interjeição. Esses traços não são, de fato, especificidades, porque outros brasileiros também os apresentam. A questão se coloca em termos de frequência e não de ocorrências em relação a outros”, registra.
Longe dos estudos acadêmicos, o procurador da República Felipe Peixoto Bragança Netto vem se dedicando ao tema em crônicas. Ele avisa que o sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. “Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar sensual e lindo (das mineiras) ficou de fora?”, pergunta ele.
Num texto que recebe, justamente, o título de “Sotaque mineiro: é ilegal, imoral ou engorda?”, publicado no livro “As coisas simpáticas da vida” (Landy Editora), Bragança Netto observa que os mineiros têm ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: pó parar. Não dizem: onde eu estou?, dizem: ôndôtô?).
Ele destaca também que o aqui é “antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usado, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer Olá, me escutem, por favor”.